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quinta-feira, 3 de setembro de 2009

Economia de baixo carbono: verde, azul, amarela

Por Ignacy Sachs, 28 de agosto 2009

No seminário “Brasil e as mudanças climáticas: oportunidades para uma economia de baixo carbono”, recém promovido pelo Instituto Ethos, o jornal Valor Econômico e a Globonews, foi apresentada uma Carta Aberta ao Brasil sobre mudanças climáticas assinada por vinte-e-duas empresas entre as mais importantes do país. O documento diz com razão que “vivemos uma oportunidade única de construir um novo modelo de desenvolvimento, baseado numa economia de baixo carbono, que deverá mobilizar empresas, governos e a sociedade civil. Acreditamos que o Brasil, mais do que qualquer outro país no mundo, reune as condições de liderar a agenda desta nova economia.”

A agenda há de ser verde, azul e amarela.

Verde na medida em que ela deve ser esforçar para construir uma biocivilização moderna, baseada no aproveitamento múltiplo das biomassas como alimento humano e ração animal, adubo verde, bioenergias, materiais de construção, fibras, plásticos e outros produtos das biorefinarias, fármacos e cosméticos.

Azul porque a superação dos conflitos pelo uso de recursos potencialmente escassos – solos agricultáveis e água – passa pela valorização dos recursos aquáticos, mediante a racionalização da pesca, a expansão da aqüicultura[1], sem esquecer o potencial energético das algas, destinadas a ser a principal matéria prima da terceira geração dos biocombustíveis.

A este respeito, vale a pena notar que, segundo uma estimativa recente, nos Estados Unidos, a economia azul – os empregos e as oportunidades econômicas relacionadas com os oceanos, os Grandes Lagos e os recursos litoráneos – gera mais de 50% do PIB e proporciona mais de 70 milhões aos Norte-americanos.[2] Por isso, está em discussão naquele país o estabelecimento de um mecanismo federal de planejamento marinho.

Por último, amarela, ao associarmos esta cor com a energia solar e as demais energias renováveis – a eólica, a maremotriz e a geotérmica, todas elas podendo ser geradas em espaços não aproveitáveis para a agricultura.

A transição para a economia de baixo carbono não se fará sem uma mudança drástica do paradigma energético, o que implica sobriedade nos padrões de consumo, maior eficiência no uso final das energias e substituição progressiva das energias fósseis pelo conjunto das energias renováveis. Sem esquecer que uma parcela dos gases de efeito estufa, gerados pela queima das energias fósseis, pode ser aproveitada para a produção de biomassa em estufas.

A substituição das energias fósseis não se fará de dia para noite. É razoável em pensar em décadas, no que diz respeito à saída da energia do petróleo. O Brasil acaba de descobrir grandes jazidas de petróleo pre-sal e, obviamente, não deixará de aproveitá-las. Porém, nada impede que parte dos royalties oriundos da exploração do petróleo pre-sal (e porque não de todo o petróleo?) venha alimentar um Fundo de transição à economia de baixo carbono.

Ao caminharmos na direção de uma economia de baixo carbono, devemos colocar em pé de igualdade os objetivos da sustentabilidade ambiental e social. Esta última nos obriga a dar uma alta prioridade à geração de oportunidades de trabalho decente e de acesso universal aos serviços sociais de base – educação, saúde, saneamento, habitação. Aqui se situa a interseção entre a estratégia voltada à transição para a economia de baixo carbono e programas de cunho social, como os Territórios da Cidadania que procuram emancipar as populações pobres da dependência excessiva sobre programas assistenciais.

A boa notícia para os países tropicais como o Brasil, onde o sol é e sempre será nosso, é a de contar com vantagens naturais comparativas permanentes para o desenvolvimento das biocivilizações modernas conquanto estas vantagens sejam potencializadas pela pesquisa e pela organização apropriada dos sistemas produtivos. Precisamos de tecnologias intensivas em conhecimentos, poupadoras dos recursos naturais e financeiros escassos e intensivas em mão de obra. Esta é a encomenda ao sistema nacional de pesquisas.

É de se esperar que as três vertentes do programa de transição à economia de baixo carbono – a verde, a azul e a amarela – sirvam de inspiração na formulação dos planos de desenvolvimento dos Territórios da Cidadania.

[1] Veja o memorando de 12 de maio 2009, “As perspectivas da aqüicultura”.

[2] Pronunciamento do senador John D. Rockefeller, IV, no Senado em Washington, no dia 9 de junho 2009.

2 comentários:

  1. Segue o memorando do dia 12 de maio:

    As perspectivas da aqüicultura

    Por Ignacy Sachs
    As perspectivas da aqüicultura

    A Secretaria Especial de Aqüicultura e Pesca elaborou um plano de desenvolvimento sustentável da aqüicultura para os anos 2008-2011. A produção deve passar de 270 a 570 mil toneladas. Ao mesmo tempo, a produção da pesca crescerá de 760 a 860 mil toneladas. O PIB do setor pesqueiro é estimado atualmente em 5 bilhões de reais. O país tem mais de 800 mil pescadores, piscicultores e maricultores e cerca de 3,5 milhões de pessoas empregadas
    As metas para o ano 2011 prevêem nas águas da União 40 reservatórios demarcados e títulos de cessão concedidos de forma gratuita a um “lote” de água para produção por um período de até vinte anos aos moradores de comunidades tradicionais (ribeirinhos, pescadores artesanais, assentados e agricultores familiares). No caso de projetos de maior porte, as áreas são concedidas por meio de cessão onerosa. 27 mil famílias serão também atendidas para estabelecer aqüicultura em estabelecimentos rurais, com 11.250 hectares de viveiros implantados.
    A secretaria trabalha com um programa territorializado, tendo selecionado 174 territórios para o período 2008-2011, vários deles cruzando com os Territórios da Cidadania, o que cria um terreno propício para estreitar as colaborações entre o MDA e a SEAP, tanto mais que o plano de desenvolvimento da aqüicultura prevê incentivos ao associativismo e ao cooperativismo. Nos 174 territórios estão presentes quase 90% dos pescadores cadastrados, 80% das áreas de alta incidência de aqüicultura continental, 100% das áreas com potencial para atividades de maricultura e 85% dos reservatórios com potencial de aqüicultura.
    As perspectivas a longo prazo da aqüicultura no Brasil são deveras empolgantes: 20 milhões de toneladas/ano com 40 bilhões de dólares ao nível primário e 160 bilhões em toda a cadeia, o suficiente para assegurar um consumo de 50 quilos por habitante e ano aos 200 milhões de Brasileiros e dispor ainda de 10 milhões de toneladas de peixe para exportação! E há quem fale de 80 milhões de toneladas nos meados do século, ou seja cerca de 10 quilos por habitante do planeta Terra, fazendo com que o Brasil se aproxime da China, primeiro produtor mundial de produtos de aqüicultura que já hoje em dia respondem por quase metade da produção de peixes no mundo.

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  2. continuando...


    Convém lembrar que o Brasil tem 8,5 mil km de costa maritíma, uma Zona Econômica Exclusiva de 4 milhões de km², 10 milhões de hectares de lámina de água em reservatórios de usinas hidrelétricas e propriedades particulares, sem falar dos ecossistemas da Amazônia e do Pantanal.
    Um gargalo potencial é a produção das rações. Os peixes são grandes consumidores de proteinas (de 30 a 55%, segundo a espécie, a comparar com um máximo de 20% para os frangos). Em compensação, são excelentes transformadores de alimentos: 1 a 1,2 quilos de alimento permite produzir um quilo de truta. Deve-se evitar na medida do possível o uso de farinhas de peixe para evitar a sobrepesca das espécies de baixo valor mercantil (são necessários 4 a 5 quilos de peixe para produzir um quilo de farinha) e o uso de outras farinhas animais é contra-indicado. O projeto do Baixo Sul da Bahia da Fundação Odebrecht tentou utilizar rações feitas a 100% das folhas de bananeira e de mandioca. A experiência não parece ter sido conclusiva. No entanto, uma equipe trabalhando sobre o mesmo tema no INRA (Instituto Francês de Pesquisa Agronómica) conseguiu substituir 90% da farinha de peixe por uma mistura de proteinas vegetais sem aumentar o custo da produção. Existem rações feitas unicamente de vegetais para peixes de águas quentes.4
    O tema é de grande interesse para a Amazônia. Entendo que o BNDES estaria aberto à idéia de financiar a partir do recém criado Fundo da Amazônia um programa de aqüicultura que beneficiaria as populações dos Territórios da Cidadania.
    No contexto do Nordeste, convém examinar a possibilidade de construir um projeto ambicioso de aqüicultura no reservatório de Xingó, ponto de convergência dos Territórios da Cidadania de quatro Estados: Alagoas, Bahia, Pernambuco e Sergipe.

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