Pelas ruas da cidade, tentou observar o céu, mas só viu prédios que pareciam engolí-lo. Nasceu na cidade litorânea de São Vicente e, desde então, era lá onde vivia. Querendo ou não. Conhecia muito sobre mangue, já que morava em cima de um. Cinco irmãos. Ele o mais velho, tentava ajudar a mãe com os gastos do mês. Começou a trabalhar como autônomo na construção de uma fábrica de cimento. Era bom, era perto de casa. E ainda, descolava uma grana no fim do mês. Podia até sair com os amigos aos sábados. Que nem faziam os jogadores de futebol de Santos. Preferia morar lá. Cidade bonita, limpa, quanta gente bonita!
Exausto, chegava em casa, pedia a bênção à mãe, beijava os irmãos e se lamentava pelo pai não estar em casa. O pai estava morando em Cubatão para trabalhar na obra de uma outra empresa, mas, aos finais de semana, visitava a família e trazia dinheiro. Cansado, súor na testa, raiva no coração. Como aquele lugar era fedido! O esgoto ali, a céu aberto. Exposto, posto perto de casa. Estranho, por quê no centro não era assim?
O esgoto. Nojo. De onde vem? Das nossas casas. Só delas? Como acabar com isso? Quem deveria se responsabilizar por isso? Afinal, mesmo exausto, cansado, acabado, ainda tinha telencéfalo desenvolvido e polegar opositor, como todos outros. Como os moradores do centro, como os moradores de Santos. Como o pai, a mãe, o José, o João, a Maria, o irmão mais novo e o vizinho.
Não dormiu bem aquela noite, sentiu inveja, raiva, quis ser o homem mais rico do mundo! O sono veio. O outro dia também. Mais um dia de trabalho pesado e deixou com que suas indagações fossem embora junto com o esgoto. Afinal, é preciso agradecer a Deus, poderia não ter nada. Afinal, seu time vai muito bem nos campeonatos. Afinal, aos finais de semana, sai com os amigos e azara meninas lindas. Afinal, ele é morador de palafita.
Danielle Almeida de Carvalho/ Bartira