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quinta-feira, 10 de setembro de 2009

Formatura de Satere Maues en Ciencias da Natureza

Em plena floresta, professores sateré maué se formam com beca e juramento
Leandro Prazeres
Especial para UOL Educação
Em Maués (AM)

Sob o escaldante sol da Amazônia, 39 indígenas da etnia sateré maué comemoraram o 7 de setembro de um jeito diferente. Na comunidade do Marau, localizada a pouco mais de duas horas de lancha do município de Maués (a 269 km de Manaus), o grupo se transformou na primeira turma indígena da secular Ufam (Universidade Federal do Amazonas) a receber um diploma de nível superior. Para celebrar a data, uma festa de formatura com direito a beca e juramento foi montada na própria aldeia onde vive a maioria dos formandos.


Na comunidade do Marau, 39 professores se graduaram em ciências naturais pela Ufam (Universidade Federal do Amazonas) nesta segunda (7)

Maués tem uma população de aproximadamente 49 mil habitantes dos quais ao menos 5 mil são indígenas da etnia Sateré Maué. Eles são conhecidos pelo manuseio do guaraná, planta que é cultivada no município e vendida como matéria-prima de refrigerantes e como estimulante natural.

A conquista dos índios sateré-maué tem algo de emblemático. Eles vivem afastados dos grandes centros urbanos e a única chance de conseguirem formação em nível superior restringia-se a deixar as aldeias em direção a cidades próximas como Maués, Parintins ou Manaus.

Para o coordenador de educação indígena de Maués, Euro Alves, esse "êxodo" seria prejudicial aos 1.976 alunos indígenas do município. "Temos poucos professores. Se eles saíssem para estudar, traria um prejuízo enorme pra gente", diz.

A saída encontrada pela prefeitura de Maués foi levar a formação até os indígenas. Um convênio com a Ufam firmado em 2004 resolveu, em parte, o problema. A universidade levou professores do curso de licenciatura plena em ciências naturais para dentro da floresta.

Durante quatro anos, os indígenas passaram suas férias na comunidade Paraíso, uma instalação erguida na selva por missionários católicos. Lá, quase todas as 54 disciplinas do curso foram ministradas. Durante meses, os índios deixavam suas aldeias para frequentarem as aulas. Algumas "cadeiras" que demandavam mais infra-estrutura, como informática, foram ministradas na sede do município. "Foi muito cansativo. A gente não teve férias. Quando não estava na sala dando aula, estava na sala tendo aula", brinca a formanda Aliete Maria da Silva, 32.

O responsável pela turma indígena, professor Takeshi Matsuura, 35, diz que essa foi uma das experiências pedagógicas mais enriquecedoras de sua vida. "Eu nunca tinha trabalhado com índios. Eles se mostraram alunos exemplares", elogia Takeshi.

Ele explica que o curso de ciências naturais repassou noções de biologia, química, física, informática além de outras disciplinas. Com essa formação, garante, "os formandos poderão ministrar o ensino indígena com melhor qualidade".

O coordenador administrativo do programa especial de formação docente da Ufam, José Felício da Silva, admite, porém, que a formação dada aos professores do Marau é generalista se comparada a dos professores que atuam nas cidades. "Realmente, é uma formação genérica, mas temos que levar em consideração a carência dessas populações. Com certeza, agora, os professores estão mais bem preparados que antes e vão poder dar aulas melhores", afirma Felício.

Formatura
Ao contrário do que se pode imaginar, a festa de formatura dos saterés não teve rituais com índios trajando cocares e tocando flautas. Os formandos vestiam becas negras como qualquer aluno do mundo. No cardápio, em vez de um buffet tradicional, o menu trazia carne de boi assada e sapó, um preparado de água e pó de guaraná ralado na língua do pirarucu, o maior peixe de água doce do mundo. A bebida, dizem, tem efeito estimulante.

A região do rio Marau, onde houve a formatura, tem pouco mais de 3,2 mil índios saterés é composta por pequenas comunidades de casas de madeira cobertas com palha. Há muito tempo os saterés deixaram de viver em malocas. Na maioria das comunidades indígenas da Amazônia, as malocas foram combatidas por missionários religiosos que viam as casas coletivas como redutos de "promiscuidade".

Na comunidade do Marau, a maior parte da população divide-se entre católicos e evangélicos. As habitações ficam no alto de um pequeno morro e se dispõem ao longo de quase um quilômetro mata adentro. Uma das únicas construções de alvenaria do local é a escola municipal indígena, que atende os alunos das redondezas.

Além das iguarias, o toque indígena da cerimônia de formatura ficou por conta do juramento. Cristina Santos de Souza lia o texto em português enquanto Madalena Alves Alves traduzia e repetia o texto na língua materna dos sateré. Em coro, os demais formandos repetiam as frases em sateré mostrando que o cerne da cultura local ainda resiste ao contato de mais de 300 anos com o homem branco.

Dificuldades
Ministrar um curso superior na selva não é tarefa fácil, garante Takeshi Matsuura. Para ele, a principal dificuldade enfrentada por alunos e professores infraestrutura para as aulas. "O deslocamento era muito grande e nós vivíamos num esquema de confinamento. Ficávamos lá durante algumas semanas dando as aulas. Foi muito puxado", explica.

Takeshi diz que houve uma seleção criteriosa para a escolha do corpo docente. "Não queríamos alguém para doutrinar os índios. Nós viemos para ensinar como as coisas funcionam no mundo dos brancos. Se eles entenderem que isso funciona para eles, tudo bem, se não, eles ignoram e está tudo certo. Não viemos 'catequizar' ninguém", afirma.

Aristíade Michiles, 62, é o formando mais velho da turma. Atua como professor há 15 anos nas comunidades indígenas do rio Marau. Diz que virou professor porque viu que sua comunidade era carente em educação. "Quando eu comecei a dar aula, a maioria dos mais novos tinha que sair da aldeia para completar os estudos. E quando eles saem da aldeia, muitos não voltam e isso é ruim para o nosso povo", diz Aristíade.

Euro Alves afirma que a graduação dos 39 professores indígenas deve minimizar o êxodo de alunos. " A educação é a principal porta de saída dos nossos índios para a cidade. Essa formatura é muito importante para nós porque sinaliza uma possibilidade de formação melhor para os nossos mais novos", explica.

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