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sexta-feira, 6 de novembro de 2009

ENTREVISTA ESPECIAL: ZYGMUNT BAUMAN

A parcela de nossa população que "não se importa" com o que ocorre dentro das favelas pode estar contribuindo, mesmo que inconscientemente, para uma forma de democídio (assassinato perpetrado pelo Estado contra pessoas em geral)?

ZYGMUNT BAUMAN – A capitulação tipicamente brasileira da separação espiritual entre estranhos, o preconceito mútuo, a desconfiança e a inimizade é o "medo do 'morro" e o "desdém por aqueles aqui de baixo" – os "residentes do asfalto".

Oscar Newman, um urbanista e arquiteto americano, sugeriu, em 1972, em um artigo com um título auto-explicativo – Espaço defensável, pessoas e design na cidade violenta – que o remédio preventivo contra o medo da violência urbana é a demarcação clara de limites – uma ação que desencorajaria ações invasivas de estranhos. A cidade é violenta e repleta de perigos porque – assim dizem Newman e seus apóstolos – está cheia de estranhos. Quer evitar infortúnios? – diz Newman: mantenha os estranhos a uma distância segura. Torne seu espaço compacto, brilhantemente iluminado, fácil de ser observado, possível de ser visto "através de" e seus medos irão desaparecer, você saboreará, finalmente, o maravilhoso gosto da segurança...

Como a experiência demonstrou, no entanto, os esforços para tornar espaços "defensíveis" levaram a aumentos agudos em preocupações com segurança. Arautos e sintomas da segurança "sendo um problema" continuam nos lembrando de nossas inseguranças... Como Ana Minton argumentou em seu estudo recente: "O paradoxo da segurança é que, quanto melhor funciona, menos deveria ser necessária. Ainda assim, ao invés disso, a necessidade de segurança pode ser tornar viciante..." De proteção e segurança nunca há o bastante; uma vez que se começa a desenhar e fortificar fronteiras, não há retorno. O principal beneficiário é nosso medo: ele prospera e se torna exuberante, alimentando-se de nossos esforços por desenhar e armar fronteiras.

Em uma das mais afiadas oposições imagináveis à opinião de Newman estão as recomendações postas no papel por Jane Jacobs: é precisamente na multidão das ruas da cidade e na profusão de estranhos ao redor que encontramos socorro e nos libertamos do medo que exala a cidade, aquele "grande desconhecido". A palavra que define esse elo, diz ela, é confiança. A confiança na reconfortante segurança das ruas da cidade é destilada da multiplicidade de encontros e contatos rápidos nas calçadas... O sedimento e traço duradouro de contatos públicos casuais é um tecido de malhas de união-em-público compostas por respeito e confiança civis. A falta de confiança é um desastre para uma rua de cidade – conclui Jacobs.

Há a falta de comunicação e de laços que compartilham vidas na ausência de confiança; e a falta de confiança leva à indiferença moral – despreocupada com o que acontece com 'eles', os que estão 'lá fora', não importa o quão atroz e repelente possa soar, se aplicado a 'nós' ou a 'pessoas como nós'. A premonição de Jacobs pode assim se comprovar certa, se nada for feito para impedi-la...

Mas algo está sendo feito, mesmo se o que foi feito até agora ainda não seja o bastante para cortar o nó górdio firmemente amarrado durante décadas, se não séculos. Veja por exemplo o Viva Rio, a maravilhosa iniciativa de resistência à violência, com a introdução de escolas em distritos anteriormente privados de instituições educacionais, incentivando trocas humanas entre "favela e asfalto", empréstimos de baixos interesses, para encorajar pequenos negócios dentro das favelas etc., objetivos levados bravamente e com sucessos que não podem ser considerados insignificantes, alguns anos atrás, por Rubem César Fernandes... Ou sua extensão lógica, o Viva Favela, com a intenção explícita (para citar Sorj uma vez mais) "de mudar a maneira como a mídia retrata as favelas, para criar novas histórias que não se concentram simplesmente no assunto da violência, mas mostrar a plena realidade da vida nas favelas – sua riqueza humana e cultural e os esforços da maioria de seus habitantes para levarem uma vida com dignidade". Pequenos passos, talvez, que não sopram forte o bastante para quebrar a armadura do ressentimento mútuo e a indiferença moral lançada e reforçada por anos entre os moradores "do morro" e "do asfalto" do Rio de Janeiro – mas mesmo assim um início. A escolha é, afinal, entre erigir paredes de pedra e aço, ou desmantelar as cercas espirituais. E por favor, tomemos nota de que cada uma das duas escolhas opostas, uma vez tomadas, tendem a desenvolver capacidades autopropulsoras e "auto-intensificantes".

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